domingo, 2 de setembro de 2012

A Educação precisa de problemas...


Olá, amigos!
 permitam-me introduzir o item da semana rememorando um texto que escrevi aqui, há alguns meses, chamado “As prisões da infância”. 

Nele eu escrevi sobre os modos como nossas sociedades, ao longo de sua existência histórica, lidam com as crianças e produzem aquilo que na modernidade seria denominado de infância (uma palavra pejorativa, do mesmo campo semântico de infantaria).

 Nesta semana uma grande empresa gaúcha de telecomunicações lançou uma campanha denominada “A educação precisa de respostas” cujo programa, pelo que entendi, contempla ações de divulgação massiva e fiscalização das políticas públicas de educação em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul (estados nos quais a empresa é proprietária de um expressivo número de rádios, televisões e jornais).

 A campanha parece seguir os moldes da investida anterior da empresa, denominada “Crack, nem pensar”, tanto no estilo alarmista quanto nos motivos que a dispararam, a saber, uma série de reportagens sistemáticas incorporadas por veículos que tratam de uma temática específica. Não poderia ser diferente, afinal parece ser norma administrativa praticar o endomarketing, ou seja, transmitir apenas notícias e informações produzidas pela própria empresa ou pelas suas sucursais. 

Eu não poderia deixar de constatar que a estratégia parece reportar-se aos primórdios da gestão pública no Brasil, cujo mais notório exemplo é o da saúde no início do século XX, que os historiadores chamam de “sanitarismo campanhista”, pois consistia em campanhas massivas e até violentas de vacinação, dedetização e controle de pragas, em ações massivas do estado e pouca participação da população. 

Poucas destas campanhas logravam êxito, porém o Estado as considerava como ações importantes e dever cumprido. Após a saturação em quase um ano do “Crack, nem pensar”, a mídia parece ter literalmente parado de pensar nas pedras fumegantes e seus esquálidos usuários, eles já não ocupam mais vinhetas, matérias e manchetes. Terá a campanha tido êxito? Não há mais usuários de crack no RS e em Santa Catarina? Pois agora as hordas de repórteres, cinegrafistas, webdesigners, radialistas e espectadores parecem hipnotizadas por um símbolo muito sugestivo: a mão levantando um dedo e um slogan dramático “A educação precisa de respostas”.

 O logotipo da campanha, em minha opinião, é bastante significativo, pois representa o gesto usual nas escolas através do qual os alunos pedem permissão ao professor para perguntar, falar, ir ao banheiro, acusar os colegas. 

Atrelado a temática escolástica das reportagens e a divulgação de pesquisas sobre o desempenho das escolas, mais uma vez incorre-se no erro de confundir Educação com Escola.

 Para Foucault, a escola como conhecemos é uma instituição disciplinar criada com os mesmos mecanismos do quartel, da fábrica, da prisão e do manicômio: docilizar os corpos. Nada mais dócil do que um corpo que levanta o dedo para pedir permissão, assim como um soldado nazista ergue sua mão espalmada em reverência ao Führer.

 Cito a seguir o parágrafo que resume o tema principal do texto que escrevi sobre as referidas prisões da infância: “No entanto, também construímos gigantescas escolas nas quais as crianças são acondicionadas em séries, grades, currículos, tarefas, avaliações, produções de fracasso.

 Aqueles que não cabem nesta cama de Procusto estão aos cuidados de máquinas conceituais subjetivadoras que engarrafam as significações de comportamentos desviantes em conceitos enlatados de bullying ou drogas encapsuladas como ritalina, rivotril e antidepressivos.

 Para além dos presídios escolares, construímos grandes centros de comércio e as encapsulamos em um mundo de luzes e cores artificiais abrigadas no ar-condicionado e naquilo que o dinheiro pode pagar. Na fila do caixa do supermercado, a infância é enclausurada em monstros com copyright, videogames e festas de aniversário pré-programadas. 

Todos os dias, em nossas casas, a infância que está latente no mundo dos adultos viaja pelo espaço ou na selva amazônica ao consumir cereais, achocolatados, refrigerantes. Encaixotamos o saudável e alucinante mundo da criança em políticas duvidosas e pouco efetivas de educação, e com ele reconstruímos um mundo adulto de prazer delirante e inconsequente.” Desta forma, imagino eu, a Educação não deve ser encarada como a solução para os problemas de nossa sociedade, porque justamente foi por ela criada e é um potente instrumento de reprodução. 

Por isso parafraseio o filósofo Gilles Deleuze quando este diz que a filosofia não deve solucionar problemas, e sim criar problemas. 

Vivemos em um mundo no qual a informação e o conhecimento literalmente “caem das árvores” nos meios de comunicação tradicionais e, principalmente, na internet, nos smartphones e nas práticas sociais... Neste cenário, é gritante que o espaço escolar, ainda que abarrotado de corpos, parece esvaziado de sentidos.

 O problema aqui, caríssimos leitores, é que a Escola não é causa, é consequência. 

 Por: Fábio Dal Molin* 
*Psicólogo, Doutor em Sociologia, professor adjunto da Universidade Federal de Rio Grande -FURG- área de Psicologia Escolar e Educacional. 
 Para ler mais textos do autor, acesse: Laboratório de Estudos Nomadológicos

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