quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Em contrapartida...

Neste fim de semana fiz mais um curso para aprender dicas de como melhorar a forma de ensinar. Acredito que todo professor periodicamente deve assistir um deles. São necessários para estar atualizado e aumentar nosso curriculum. Todos os que ministram estes simpósios são muito competentes e sempre aprendemos coisas novas, geralmente produto de anos de experiência na profissão.
No nosso grupo não havia nenhum professor com menos de 35 horas semanais de carga horária. Isto significa que para preparar as aulas, exercícios para os deveres de casa (exigidos pelas escolas), testes e provas bimestrais (com segunda chamadas e às vezes terceira chamadas), prova de recuperação, correção das mesmas, controle e avaliação dos alunos, assim como frequentar periodicamente as reuniões pedagógicas nos diferentes colégios e atender os pais de alunos com problemas necessitamos pelo menos de outras 35 horas na semana. Estas últimas não são remuneradas, fazem parte das obrigações inerentes à profissão. Isto significa que caso um professor durma oito horas, consuma 3 horas para refeições e asseio pessoal, e gaste outras duas horas em transporte e deslocamento diário, precisa de uma semana de 161 horas, o que lhe deixa uma hora diária para lazer (que usamos para pagar contas, ver de relance nossos filhos e às vezes dar um beijo nas nossas esposas). Um de nossos colegas presentes declarou que ministra 62 horas/aula semanais, ou seja, necessitaria de 224 horas por semana!
Além de tudo o dito, devemos levar em consideração os conselhos recebidos pelas coordenações, compreender as diferentes aptidões de aprendizado dos alunos, entender os problemas criados pela THD, TD, TOD, XWY, FGI e tantas outras siglas que ultimamente nossos alunos padecem. Ah! Ia esquecendo, o professor é o último responsável e causa pela qual os alunos não renovam a matrícula no fim do ano. Tudo isto em turmas que vão de 35 a 45 alunos. No meu caso, vejo estas crianças de uma a duas horas por semana.
Ao mesmo tempo devemos conseguir que alunos que não tem o menor interesse em aprender consigam a nota mínima para passar de ano, já que se não conseguem fazê-lo a culpa de quem é? Do professor. Agora com o ENEM, acontece algo interessante, os colégios exigem que os alunos obtenham de cinco a seis para aprovar a matéria, mas para que a escola tenha um bom ranking os alunos devem superar a média de sete pontos. Aqui que mora o perigo, pois se o professor for muito exigente, a maioria dos alunos não passariam de ano, os pais ficam descontentes e não renovam a matrícula e o professor perde o emprego.
Sabem uma coisa? Acho que está certo. Um profissional que não tem tempo para preparar suas aulas, que não descansa o que deveria e se alimenta precariamente, vive em reuniões em lugar de ocupar seu tempo em estudar e aperfeiçoar-se, que não tem tempo de conhecer as necessidades de seus alunos, que fica tenso quando é chamado para reuniões fora do seu horário, frequenta as mesmas de má vontade sem demonstrar felicidade e ainda é mal pago. O pior de tudo é que não coloca em prática o que aprende nos cursos de especialização com a escusa de não ter tempo, realmente este profissional não merece ser parte integrante da comunidade educacional brasileira.
A sociedade o que pretende dos professores? Os pais, os colégios, os alunos, os coordenadores, os pedagogos sabem exigir que os professores sejam dedicados, atualizados, lúdicos, alegres, bem dispostos, otimistas, que dominem suas matérias, pontuais, interessados, comprometidos, amigos dos alunos, excelentes transmissores de conhecimento, bons controladores de turma, bons mantenedores da disciplina em sala de aula e fundamentalmente construtores de um ambiente harmônico entre professores e alunos.
Em contrapartida é oferecido aos educadores: pouco dinheiro, péssima formação, jornadas de trabalho estressantes, alunos sem compromisso com o estudo, pais que exigem resultados sem levar em consideração se seus filhos estudam ou não (ninguém aprende por osmose), coordenadores que não apoiam seus professores, pedagogos que nunca assumiram uma sala de aula para mostrar como suas teorias funcionam, diretores de escola mais preocupados com a renovação de matrículas que com a real formação de seus alunos. Aulas lotadas, com alunos que requerem atenção especial e alunos competitivos, o que provoca a desistência dos últimos e a falta de progresso dos primeiros.
Tudo isto tem piorado com o ENEM. Quando saem os resultados é um Deus nos acuda. Por que ficamos nessa posição? Que professor não fez um bom trabalho? Reuniões para definir o novo staff para o próximo ano letivo, explicações que somente mascaram a realidade da nossa educação.
Não sei meus colegas, mas eu gostaria ter como contrapartida de tudo o que me exigem na minha profissão algumas coisas que passo a listar:
a) Devolver ao professor sua dignidade e respeito que nossa profissão merece. Não dar ouvidos aos pais que dizem: “Eu acho que o professor/a ... não sabe controlar a turma”; “Minha filha/o não gosta do professor/a ...”; “Meu filho/a diz que o professor/a falou ...”.
b) Ter horas/aulas pagas para frequentar reuniões, receber alunos, falar com pais, reciclagem profissional, conselhos de classe, preparar aulas, fazer provas, testes e exercícios.
c) Receber alunos que tenham aprendido, em casa, um mínimo de educação. Deveria ser uma exigência “sine qua non” para poder frequentar aulas.
d) Decisão por parte das direções pedagógicas dos colégios se seremos um colégio inclusivo ou competitivo nas diversas classificações do Ministério da Educação.
e) Profissionais (devidamente treinados) dedicados aos alunos especiais e outros aos alunos competitivos.
f) Remuneração de horas/aulas de acordo ao que é exigido.
Já mencionei em outro artigo, se temos uma fábrica de bolachas, para fabricar bolos devemos mudar as máquinas e a estrutura da fábrica, até a matéria prima, caso contrário será mudado somente o nome do produto. Continuaremos vendendo o mesmo produto apenas com um nome diferente.
O professor não é o salvador da educação. Somos somente uma peça da engrenagem. A matéria prima são os alunos, os pais a fornecem. Os colégios são as fábricas da educação, a maquinaria e a estrutura são de responsabilidade deles. Nós professores fazemos a mistura de acordo às fórmulas por nós conhecidas. O Ministério da Educação faz... O que mesmo faz?
Nunca esquecerei a estória sobre uma fábrica de chapéus. Vendia para todo o mundo os melhores chapéus. Eles eram tingidos por um químico que trabalhava fazia 25 anos controlando o tingimento. O fundador tinha um grande respeito por ele. Um dia o dono faleceu, os filhos assumiram e decidiram demitir o químico (ganhava muito). Assim foi feito. O químico foi embora muito triste apoiando-se na sua bengala. Logo depois toda a produção de chapéus começou a ser devolvida devido a que o tingimento saia no primeiro suor do usuário. Tentaram de tudo e não conseguiram resolver o problema. Desesperados os filhos foram buscar o químico, tiveram que pedir desculpas e pagar o dobro para que voltasse. Entrou na fábrica caminhando com seu bastão. Cada vez que era feita uma nova batelada de tinta o velho químico introduzia sua bengala e após agitar um pouco a solução declarava que estava pronta para receber os chapéus. Depois lentamente se fechava no seu laboratório, e efetuava a recarga do fixador especial dentro da bengala. E assim continuou durante muitos anos exercendo seu trabalho.
Nós professores não devemos esquecer que temos nosso toque especial para que a fórmula do ensino funcione. Se não fosse por nós o conhecimento não se fixaria nas mentes de nossos alunos, não passaria de um mero tingimento. Talvez seja essa a resposta, quem sabe a sociedade não quer somente um tingimento de conhecimento?
Caro leitor, acha que tenho sido muito irônico ou muito realista?

Bom Trabalho!

Por: Ricardo Irigoyen.

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