sexta-feira, 7 de novembro de 2008

De Onde Virá o Grito???


De onde virá o grito?



DE ONDE VIRÁ O GRITO?
(Luciano Pires)

Num texto anterior introduzi o conceito de "Ressentimentos Passivos". Para
relembrar, lá vai um trecho:

"Você também é mais um (ou uma) dos que preenchem seu tempo com
ressentimentos passivos? Conhece gente assim? Pois é. O Brasil tem milhões
de brasileiros que gastam sua energia distribuindo ressentimentos
passivos. Olham o escândalo na televisão e exclamam " que horror". Sabem
do roubo do político e falam "que vergonha". Vêem a fila de aposentados ao
sol e comentam "que absurdo ". Assistem a uma quase pornografia no
programa dominical de televisão e dizem "que baixaria". Assustam-se com os
ataques dos criminosos e choram " que medo". E pronto! Pois acho que
precisamos de uma transição "neste país". Do ressentimento passivo à
participação ativa.".

Pois recentemente estive em Recife e em Porto Alegre , onde pude apreciar
atitudes com as quais não estou acostumado, paulista/paulistano que sou.
Em Recife, naquele centro antigo, história por todos os lados. A cultura
pernambucana explícita nos out-doors, nos eventos, vestimentas, lojas de
artesanato, livrarias. Um regionalismo que simplesmente não existe na São
Paulo que, sendo de todos, não é de ninguém.

No Rio Grande do Sul, palestrando num evento do Sindirádio, uma surpresa.
Abriram com o Hino Nacional. Todos em pé, cantando. Em seguida, o
apresentador anunciou o Hino do Estado do Rio Grande do Sul. Fiquei
curioso. Como seria o hino? Começa a tocar e, para minha surpresa, todo
mundo cantando a letra!

"Como a aurora precursora / do farol da divindade, / foi o vinte de
setembro / o precursor da liberdade"

Em seguida um casal, sentado do meu lado, prepara um chimarrão. Com
garrafa de água quente e tudo. E oferece aos que estão em volta. Durante o
evento, a cuia passa de mão em mão, até para mim eles oferecem. E eu fico
pasmo. Todos colocando a boca na bomba, mesmo pessoas que não se conhecem.
Aquilo cria um espírito de comunidade ao qual eu, paulista, não estou
acostumado.
Desde que saí de Bauru, nos anos setenta, não sei mais o que é
"comunidade" . Fiquei imaginando quem é que sabe cantar o hino de São
Paulo. Aliás, você sabia que São Paulo tem hino? Pois é... Foi então que
me deu um estalo. Sabe como é que os "ressentimentos passivos" se
transformarão em participação ativa? De onde virá o grito de "basta"
contra os escândalos, a corrupção e o deboche que tomaram conta do Brasil?
De São Paulo é que não será. Esse grito exige consciência coletiva, algo
que há muito não existe em São Paulo. Os paulistas perderam a capacidade
de mobilização. Não têm mais interesse por sair às ruas contra a
corrupção. São Paulo é um grande campo de refugiados, sem personalidade,
sem cultura própria, sem "liga". Cada um por si e o todo que se dane. E
isso é até compreensível numa cidade com 12 milhões de habitantes.

Penso que o grito - se vier - só poderá partir das comunidades que ainda
têm essa "liga". A mesma que eu vi em Recife e em Porto Alegre. Algo me
diz que mais uma vez os gaúchos é que levantarão a bandeira. Ou talvez os
Pernambucanos. Que buscarão em suas raízes a indignação que não se
encontra mais em São Paulo.

Que venham, pois. Com orgulho me juntarei a eles.
Luciano Pires


Este artigo é de autoria de Luciano Pires (www.lucianopires. com.br ) e
está liberado para utilização em qualquer meio, contanto que seja citado o
autor e não haja alteração em seu conteúdo.

Nascido em Bauru, S.P., em 1956, formou-se em Comunicação em 1977 pela
Universidade Mackenzie em São Paulo

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